A tributação sobre o ganho de capital na venda de imóveis rurais pode ocorrer a partir de duas regras: a regra geral, aplicável também aos imóveis urbanos, e a regra específica aplicável somente aos imóveis rurais.
Pela regra geral, prevista na Lei nº 7.713/1988, artigo 3º, o ganho de capital será apurado sobre a diferença positiva entre o valor da venda do imóvel e o seu custo de aquisição.
Já a regra específica para imóveis rurais está prevista no art. 19 da Lei nº 9.393/96, segundo a qual o ganho de capital será calculado sobre a diferença entre o valor da terra nua quando da aquisição do imóvel e o valor da terra nua quando da sua alienação, estando tais valores indicados na declaração do Imposto Territorial Rural (ITR). O dispositivo assim prevê:
“Artigo 19 — A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do artigo 8º, observado o disposto no artigo 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação”.
Como se vê, trata-se de norma cuja aplicação é condicionada à declaração do ITR, e que utiliza como fator para o cálculo do ganho de capital o VTN — valor da terra nua declarado pelo contribuinte.
O VTN corresponde ao valor do solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural, excluídos os valores de mercado relativos a construções, instalações, melhoramentos e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas.
Não estão computadas no VTN todas as grandezas distintas nos imóveis rurais, de forma que o cálculo do ganho de capital com base no VTN na maioria dos casos se revela a mais vantajoso ao contribuinte.
A regra especial do VTN, constante da Lei nº 9.393/96, foi regulamentada pela IN nº 84/2001.
Contudo, tal IN traz uma regulamentação restritiva da Receita Federal, tendo vinculado, em seu art. 10, a utilização da regra do VTN à entrega do Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – Diat nos anos de aquisição e alienação, constante da Declaração de ITR – Dirt.
No mesmo sentido do art. 10, a Solução de Consulta Cosit nº 118/2019 da Receita Federal, bem como com diversas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf, revelam o seguinte entendimento na esfera administrativa no que se refere aos imóveis rurais adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997:
a) quando o contribuinte adquire e vende o imóvel rural antes da entrega do Diat: o ganho de capital é igual à diferença entre o valor efetivo de alienação e o custo de aquisição;
b) quando o contribuinte adquire o imóvel rural antes da entrega do Diat e aliena, no mesmo ano, após sua entrega: não ocorre ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor;
c) quando o contribuinte não apresenta Diat no ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos: considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação; e
d) quando o contribuinte apresenta Diat com VTN subavaliado, com informações inexatas, incorretas ou fraudulentas: considera-se o Sistema de Preços de Terras (Sipt), valor de mercado ou da operação.
Por tal entendimento se depreende que a regra do cálculo do ganho de capital pelo VTN só poderia ser aplicada quando o contribuinte adquiriu e alienou o imóvel rural em período posterior ao da entrega da Dirt dos respectivos anos, e, em todas a demais situações, aplicar-se-ia a regra geral do ganho de capital.
Ocorre que, como o prazo disponível para a entrega da Dirt é fixado pela Receita Federal entre agosto e setembro de cada ano, para a aplicação da regra do VTN, a aquisição do imóvel deveria sempre ocorrer antes de agosto/setembro e a alienação depois de setembro (do mesmo ano ou dos anos subsequentes).
Ou seja, considerando a entrega da Dirt entre agosto e setembro, de acordo com o entendimento da Receita Federal e do CARF, a regra se aplica apenas quando a aquisição do imóvel se der entre janeiro e julho e a alienação do imóvel se der entre outubro e dezembro.
Não parece ter sido este o racional do legislador ao editar o art. 19 da Lei nº 9.393/96.
Dessa forma, muitos contribuintes vêm questionando judicialmente as limitações indicadas na IN 84/2001 para o uso do VTN, e felizmente no âmbito judicial, tais limitações vem sendo afastadas.
O TRF da 4ª Região, por exemplo, já entendeu que as referidas restrições da IN são ilegais:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL RURAL. CUSTO DE AQUISIÇÃO E VALOR DE VENDA. ILEGALIDADE DA INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 84/2001. LEI Nº 9.393/1996, ARTS. 14 E 19. 1. O § 2º do art. 10 da IN nº 84/2001 destoa claramente tanto do art. 19 quanto do art. 14 da Lei nº 9.393/1996, visto que adota como base de cálculo, para a apuração do ganho de capital de imóvel rural, o valor constante nos documentos de aquisição e de alienação. 2. Há de se entender a disposição do § 2º do art. 3º da Lei nº 7.713/1988, que define ganho de capital como a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, em consonância com as normas específicas da Lei nº 9.393/1996, que regem a apuração do ganho de capital de imóveis rurais. “3. O valor do imóvel rural é definido pelo Valor da Terra Nua, nos exatos termos do art. 10 da Lei nº 9.393/1996, que exclui as construções, instalações e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas. 4. No caso de falta de entrega do DIAT, o ganho de capital apurado por lançamento de ofício deve considerar as ‘informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel’. Somente para imóveis adquiridos antes de 01/01/1997 – o que não é a hipótese dos autos – poderia o ganho de capital levar em conta o valor da escritura. “5. A Instrução Normativa SRF nº 84/2001 ainda estabelece outro requisito não previsto em lei, determinando que os custos das benfeitorias (construções, instalações e melhoramentos), das culturas permanentes e temporárias, das árvores e florestas plantadas e das pastagens cultivadas ou melhoradas, quando não tiverem sido deduzidos como custo ou despesa da atividade rural, são computados para efeito de apuração de ganho de capital. 6. Havendo definição expressa nos arts. 14 e 19 da Lei nº 9.393/1996 quanto à base de cálculo do ganho de capital – o valor da terra nua declarado ou o valor arbitrado, quando não houver declaração – sem a imposição de deduzir as benfeitorias no custeio da atividade rural, também viola o princípio da legalidade o art. 9º, § 2º, e o art. 19, inciso VI e §§ 1º e 2º da IN SRF nº 84/2001.” (TRF4, APELREEX 5002098-90.2012.4.04.7116, PRIMEIRA TURMA, Relator JOEL ILAN PACIORNIK, juntado aos autos em 16/04/2015)
De fato, diante do artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, não parece coerente que a regra especial seja definitivamente afastada quando da ausência da Dirf ou quando a Dirf não tenha sido entregue pelo beneficiário do ganho de capital.
Pela leitura do dispositivo legal, ao contrário do que entende a Receita Federal, o ganho de capital na alienação de imóvel rural deve, sempre que possível, ser apurado com base no VTN do ano de alienação e do ano de aquisição (ou com base na Dirf ou a partir dos preços de terra constantes no Sipt).
Portanto, há bons argumentos para se sustentar que o artigo 10 da IN nº 84/2011 é ilegal, tendo em vista que introduziu critério para a apuração da base de cálculo do ganho de capital na venda de imóvel rural, ausente na Lei 9.393/96, em violação, portanto, ao princípio da legalidade tributária.