A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) revisou a tese fixada em 2010 relativa à forma de cálculo da tarifa de água e esgoto em condomínios com hidrômetro único (Tema 414), de acordo com a qual não seria lícita a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, devendo a cobrança ser feita pelo consumo real aferido.
Conforme o novo julgamento, ficou estabelecido que:
1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa (“tarifa mínima”), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro, é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
Os ministros consideraram que o novo modelo de tarifação “coloca em plano de igualdade todos os usuários dos serviços de saneamento, sejam eles consumidores individuais, condomínios dotados de múltiplos medidores de consumo, ou condomínios equipados com um único hidrômetro, cobrando-se de todos, pelos custos de disponibilização dos serviços, uma mesma contraprestação (a parcela fixa da tarifa, equivalente a uma franquia de consumo), a fim de assegurar às prestadoras receitas recorrentes necessárias aos ganhos de qualidade e eficiência que, ao fim e ao cabo, repercutirão em termos de menores acréscimos tarifários para todos os usuários”. Contudo, não entendemos assim.
Atualmente o consumo mínimo por economia (apartamento ou sala comercial) é de 15m3 no caso de unidade residencial e de 20m3 no caso de unidade comercial.
Até então, prevalecia o critério híbrido, através do qual era considerado o consumo efetivo medido pelo hidrômetro, dividido pelo número de unidades.
Com isso, os condomínios que consumiam mais água do que o mínimo por unidade, eram cobrados de forma progressiva, com tarifas maiores após alcançado o consumo mínimo individual.
Já os condomínios que consumiam pouca água, não chegavam aos limites mínimos individuais por unidade, e eram cobrados pela água efetivamente consumida.
Com o novo modelo de cobrança, os condomínios que passam do consumo mínimo, continuarão a ser cobrados da mesma forma que já vinham sendo cobrados, enquanto os condomínios que consomem pouca água verão as suas contas dobradas ou triplicadas.
Os condomínios que consomem menos água geralmente são condomínios em que os apartamentos ou salas comerciais são pequenos e que contam com poucos ocupantes.
Portanto, com todo o respeito ao colegiado do STJ, a decisão na verdade coloca em extrema desigualdade os usuários do sistema de saneamento, pois passa-se a cobrar os consumidores menos favorecidos por água que não consumiram. Essa metodologia se baseia no consumo de um volume mínimo de água que, muitas vezes, não corresponde à realidade. Assim, a aferição fictícia resulta na cobrança de tarifas injustas para o usuário que consumiu menos água do que a presumidamente consumida de acordo com a tarifa mínima.
Além disso, a nova metodologia incentiva os atuais consumidores de baixo volume de água a consumir mais água, já que pagarão por um valor muito maior do que o consumido de toda a forma, sendo assim contrária ao meio ambiente. Só quem ganhou com essa decisão foram as concessionárias de água e esgoto, pois as cobranças através da tarifa progressiva dos condomínios que consomem mais água já estavam exorbitantes, e agora passa-se a cobrar excessivamente também os condomínios que consomem pouca água.
Caso se quisesse privilegiar o sistema mais justo de cobrança, sem dúvida deveria ter prevalecido a metodologia do consumo real fracionado (mais conhecido como, de acordo com o qual os condomínios que consumissem mais água pagariam mais, eis que sujeitos às tarifas progressivas, e os condomínios que consumissem menos pagariam somente pela água efetivamente consumida.
Voltando à realidade que ora se impõe, cabe ressaltar que no mencionado julgamento foi proposta a modulação dos efeitos da decisão para a realidade de cada condomínio que tenha ingressado com ação judicial para discutir a tarifa de água, conforme resumido abaixo:
Realidade 1: Caso a prestadora de serviços estivesse calculando a tarifa nos termos ora autorizados pelo julgado pelo método, ainda que não autorizada anteriormente pelo STJ, a ação do condomínio será julgada improcedente e as cobranças mantidas;
Realidade 2: Caso a prestadora de serviço estivesse calculando a tarifa dos condomínios dotados de medidor único apenas pelo consumo real aferido no hidrômetro (método hibrido) em razão de decisão judicial impositiva na ação revisional de tarifa será lícito à prestadora modificar o método de cálculo da tarifa tão logo o entendimento desse julgamento seja transposto para as ações judiciais em curso, revogando-se eventuais decisões precárias em sentido contrário, ficando vedado que sejam cobrados valores pretéritos por pagamento a menor em razão do modelo híbrido.
Realidade 3: Caso a prestadora de serviço estivesse calculando a tarifa pelo método do consumo real global (tomando-se como único usuário do serviço), deve-se impor às prestadoras de serviço, nas ações, o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, adequando-o ao que foi estabelecido pelo STJ no julgamento desta quarta, devendo o condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior, autorizando-se que a restituição seja feita pelas prestadoras por meio compensação, por meio do montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa devida pelo condomínio, até a extinção da obrigação, respeitada a prescrição conforme regulada pela jurisprudência.
Por fim, cabe ressaltar que a decisão foi publicada no dia 25/06/2024 e cabe recurso pelas partes interessadas.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
